sábado, novembro 20, 2004

Back to Mars

Começa aqui o meu pequeno blog... O seu título é «Back to Mars»!

Para aqueles que me conhecem mal, ou então desde há pouco tempo, poderão estranhar a natureza deste título um tanto ao quanto enigmático ou mesmo lugar comum, mas todos os que me conhecem razoavelmente bem, esses não terão dificuldades em percebe-lo, em especial tendo em conta os desenvolvimentos ‘recentes’ na minha vida.

Olho para mim e sinto-me um rapaz simples mas no entanto ambicioso, algo que longe de ser incompatível é, para mim, natural. Nesta altura em que escrevo não sou uma pessoa feliz, estou a passar por uma fase da minha vida particularmente delicada, difícil, sofredora, sombria... Estou mergulhado numa depressão. Esta palavra, que antes era apenas sinónimo de 'algo' distante e de fracos, faz hoje parte do meu léxico, dos meus pensamentos e, muitas vezes, até parece que se não a disser não estarei a descrever-me e apresentar-me adequadamente, com toda a verdade.

Sou, e desde que me lembro sempre fui, um aficionado por matérias relacionadas com o 'Cosmos', com o 'Universo' e a 'Exploração Espacial' -- quer com meios robóticos mas, principalmente, com seres humanos. Desde pequeno que a Astronomia me fascinava: os planetas, as estrelas, os quasares, os buracos negros, toda a panóplia infindável de matéria cósmica e estelar que partilha a sua existência connosco. À medida que fui crescendo fui-me tornando mais exigente. Já não bastava olhar pelo telescópio e ver as maravilhas da natureza cósmica a revelarem-se perante os meus olhos, já não bastavam os terabytes de dados que as antenas dos radiotelescópios nos fornecem, nem mesmo volumes, cada vez mais abundantes, de informações, em todos os campos do espectro, que recebemos das constelações de satélites astronómicos que orbitam a nossa Terra mas que perscrutam as profundezas do oceano cósmico. Comecei a querer 'ir' ao encontro destes objectos que apenas nos são apresentados na teoria, queria 'tocar', 'sentir' e 'ver' por mim próprio, e ajudar a humanidade a libertar-se desta prisão gravitacional que impede a nossa expansão pelo Sistema Solar. Comecei a sonhar em ser, não astronauta ou cosmonauta, mas Engenheiro Aeroespacial. A construção destes engenhos maravilhosos que nos estendem os sentidos ao solo de outros corpos celestes sempre me fascinaram e me fizeram brilhar os olhos de uma forma especial. Daqui a ser um "Mars Crazy" foi um pequeno passo. Tudo começou com uma revista da Scientific American de 1997 em que ouvi falar pela primeira vez da "Mars Society", sociedade essa que me introduziu no Mundo maravilhoso de pessoas que se dedicam a tornar o sonho de colocar um homem em Marte uma realidade! O que mais me fascinou foi que fiquei convencido.

Anos passaram desde esta minha adolescência maravilhada a descobrir os segredos do Cosmos. Anos passaram desde que tudo em que tocava se tornava um sucesso retumbante. Entrei na fase adulta e as coisas começaram a declinar sucessivamente... em breve iria perder o fôlego de outrora, iria desmoralizar onde antes era confiante, iria olhar para baixo e desistir quando antigamente levantava os olhos e lutava. Seis anos de martírio, seis anos de sofrimento mais ou menos visível, mais ou menos penoso, foram seis anos de uma depressão de se foi construindo e que me quase que levaria à autodestruição não fosse a providencial ajuda de uma amiga -- a minha querida Rita.

A ideia original de fazer o «Back to Mars» não foi inteiramente minha mas sim, em grande parte, de um amigo meu que também tem um blog. Foi ele o primeiro que me falou seriamente sobre a possibilidade de eu fazer um blog e até da sua utilidade, a ele devo-lhe todo o trabalho inicial de concepção deste pequeno projecto, porque nas condições em que estou penso que não seria capaz de o fazer sozinho... Em parte penso que ele percebeu, primeiro do que eu, a capacidade psicoterapêutica de um blog, da sua capacidade para estruturar o pensamento difuso, confuso, exagerado, adulterado pela minha visão pessimista do Mundo, pervertido pela doença que me corrói por dentro aos poucos... Para ti B. um enorme abraço por tudo o que fizestes por mim.

Estar deprimido é como estar afastado de mim próprio, é como estar desconectado do meu verdadeiro EU, é como estar descontextualizado da minha ambiência natural, e ter caído, muito subtilmente, num vazio crescente quer de motivação como de amor. Penso que o choque brutal para mim foi a ausência dos meus pais e dos meus irmãos aquando da minha entrada para a faculdade, foi este desenraizamento e exílio em Lisboa, longe de todas as pessoas que me faziam bem e que me mantinham animado e contente, mesmo quando aparentemente não havia razões para tal. Esta viragem da maré no início da faculdade, aos meus 18 anos, levou-me ao desespero quando verifiquei que era incapaz de lidar com a pressão e o sofrimento de não ser suficientemente bem sucedido na faculdade. Foram seis anos de "residência para a faculdade, faculdade para a residência"... Ao quarto quebrei. Não aguentava mais... num acto de desespero, num pedido urgente de ajuda, de atenção, de amor... desisti de muitas das minhas obrigações da faculdade e dediquei-me a um esforço colossal de introspecção profunda...

Ah! Finalmente! Eis uma razão pela qual não era feliz: nunca tinha amado alguém que pudesse partilhar a sua vida comigo, e as tentativas também não poderiam ter sido bem sucedidas, estava a procurar isso 'in the wrong side'. Autoconsciencializei-me que era gay. Por momentos muita coisa que me afligia o espírito foi vencida, mas não toda... Pela primeira vez pude ver-me livre de homofobias internalizadas, de preconceitos fascistas, de intolerâncias desumanas, de moralidades imorais... descobri o Amor. Acedi a uma nova forma de sentir, de viver... pude olhar o mundo com orgulho de ser como sou, de ser natural e humano. Mas mesmo depois desta enorme fase de habituação, que durou dois anos, algo ainda estava fora de sítio... ainda sentia um desassossego constante no peito, um murmúrio cismático a macerar a minha mente... O que seria?

Em breve os meus comportamentos, ou antes, a ausência de força anímica que me impelisse para que os pudesse ter, fez-me pensar, fez-me perscrutar uma vez mais o meu "eu íntimo"... Crise após crise, dia após dia, não conseguia nem estudar, nem divertir-me, nem sossegar, nem descansar, nem alienar-me das preocupações... estava como que prendido a uma inacção inenarrável que me fazia vegetar sem nexo por pensamentos ciclópicos e arrastar-me para a faculdade e para casa sem objectivo, sem vontade, sem alegria, apenas com a habitual angústia indefinida que não passa... Esta letargia compulsiva, quase fora do controlo da minha própria vontade racional, fez-me pensar então mais seriamente neste projecto de fazer um blog; era a forma ideal de colocar escritos os meus mais íntimos pensamentos e sentimentos, talvez assim os pudesse compreender a uma profundidade diferente, com um detalhe novo, sob novos prismas e alcançando dimensões desconhecidas. É a esperança de poder, com a ajuda desta ferramenta, libertar-me desta prisão que não me deixa exprimir-me na minha plenitude nem alcançar o vigor da totalidade das minhas capacidades pessoais... pretendo voltar atrás no tempo, voltar à minha adolescência de vontades flamejantes de viver os meus próprios projectos pessoais, com uma energia infantil indestrutível, voltar às minhas velhas, e no entanto ainda actuais, paixões pelo Espaço e por Marte, quero com todas as forças "voltar para Marte", voltar para mim próprio, redescobrir-me onde me perdi algures entre esse passado adolescente e o presente... é este percurso que quero partilhar convosco...

I'm going Back to Mars...