sábado, novembro 20, 2004

Depressões 11/11/2004

Este é o um post dedicado à depressão e que escrevi recentemente no "fórum ex aequo" da "associação rede ex aequo", da qual faço parte, no tópico Apoio.

Sobre as depressões tanto se pode e há para dizer e escrever, livros inteiros foram dedicados a esse tema, no entanto muitas pessoas continuam a sentir-se profundamente tristes no seu dia-a-dia, sem razão nenhuma para se levantarem cedo de manhã, simplesmente sobrevivendo ao quotidiano maçador, desmotivador e profundamente repetitivo. É o que sinto também eu agora. O pior de tudo foi que me tinha convencido que finalmente a minha depressão -- já bastante antiga e sofredora -- tinha finalmente passado no início deste ano; pela primeira vez vivi feliz, com um sorriso na cara, livre de pensamentos pessimistas perseguidores, contente por aproveitar "pequenas grandes felicidades" junto da pessoa que eu "amava", alegre por ter tanto que fazer e contente por ter alguém a meu lado que me ajudava imenso -- só estando presente era suficiente.

Desde Julho que, infelizmente, tive uma recaída, e pior do que isso, confirmando também o que vem escrito em vários livros do tema, com maior gravidade e alcance. Sinto-me anestesiado na minha existência, como se estivesse suspenso sobre o meu corpo e ele tivesse ganho forma de se mover, sentir e pensar por ele, sem a minha influência, estou cansado das tarefas diárias da faculdade e que sinceramente não me dizem rigorosamente nada, estou cansado de ter que fingir perante as pessoas que estou bem, e ainda mais cansado de ter que ouvir "bocas" de pessoas saudáveis sobre "como" me devo sentir... Pragmatismo acima de tudo: eu sinto, isso é uma realidade! Como me deveria sentir também eu sei, é com isso que eu sonho todos os dias, não preciso que me digam os sintomas de uma pessoa saudável porque eu contacto com elas todos os dias. Muitas vezes as pessoas, pensando que estão a fazer uma obra de caridade extraordinária e de um altruísmo que leva o mortal à vertigem de uma lágrima, falam, falam, falam... e o que eu sinto e faço acaba por ser exactamente o oposto do que essas mesmas pessoas pretendiam. É por isso que a ajuda da minha psicóloga é imprescindível: ela não me julga, ela não me dá lições de moralidade, nem sequer me diz o que eu tenho que fazer... Ela ajuda-me de verdade. Os amigos são fundamentais também, mas a única coisa que quero deles é sentir que sou "amado" e apreciado por eles, que eles gostam de me ter por perto e que percebem que não estou numa fase muito boa, e mesmo assim, com redobrada paciência e tolerância me ouçam e principalmente me abracem! Não preciso que me digam nada, apenas que mostrem carinho e amizade, porque sentir-me apreciado e acarinhado vale muito mais do que qualquer hora de conversa enfadonha sobre psicologia de gaveta. Os psicofármacos são importantes e estaria a mentir se dissesse que não os tomava: tomo. Os seus efeitos têm mais alcance do que os pacientes muitas vezes imaginam, e muito menos que os seus delatores muitas vezes querem fazer crer. Tomo um inibidor da serotonina que é dos mais utilizados em Portugal. A sua função no processo de cura da depressão é apenas como complemento, porque não me faz feliz, faz-me apenas não estar tão infeliz, o que é muito importante!

Muitas vezes, como hoje, não saio de casa. Fecho-me no quarto, com um sono crónico e profundo, não como absolutamente nada porque sinceramente nem sequer tenho fome, e por outro porque comer não me dá prazer nenhum, apenas o faço para não sentir o desconforto da fome e a impertinência dos barulhos do estômago. «Afinal para que hei de preocupar-me em comer a horas certas se é uma completa perda de tempo?» (Porque só uma pessoa fisicamente saudável pode ser psiquicamente saudável, porque poderás vir a sofrer de alguns problemas no futuro devido à subnutrição, bla, bla, bla -- dizem-me normalmente as pessoas para as quais o corpo delas nunca foi um problema e que já só precisam de ir ao ginásio para manter um corpo espectacular) «Afinal de contas para quê estudar?» (Porque tens que tirar o curso, tens que o fazer por ti, tem que ser um projecto teu, bla, bla, bla -- dizem os mesmos de sempre) «E para quê arranjar-me antes de sair de casa?» (Para te sentires bem contigo próprio, para as pessoas reparem também mais em ti, bla, bla, bla -- continuam os optimistas, belos e graciosos humanos saudáveis que me rodeiam) «Para que hei de fazer projectos pessoais se não os consigo terminar?» (Tens que ter força de vontade, tens que ter a tua própria personalidade porque é isso que as pessoas vão apreciar em ti, bla, bla, bla -- nunca desistem de me "explicar" verdades que eu supostamente sou incapaz de saber na teoria! NOT!) «Para quê divertir-me, se ao fazê-lo verifico o fosso interminável entre mim e o resto das pessoas em matéria de felicidade genuína?» (Porque é com as pequenas diversões diárias que vais conseguir quebrar o ciclo vicioso, porque aprendes como as pessoas normais, aka comuns, sabem viver ultrapassando as suas dificuldades, bla, bla, bla -- dizem-me muitas vezes os amantes da festa e da diversão que são invariavelmente os
popular guys ou popular grils da faculdade) «E para quê aturar alguns amigos chatos, ou mesmo os amigos não chatos mas que não tenho paciência para os ouvir, e principalmente para os ver nas suas vidas radiosas e plenas de momentos rejubilantes de felicidade?» (Porque os amigos são essenciais para o bem estar social, para o apoio nas horas difíceis, para poderes desabafar e obter compreensão, bla, bla, bla -- dizem-me aqueles que raramente precisam de outras pessoas para se sentirem plenamente bem consigo próprios e com a vida que têm, alguns deles que nasceram com o rabo "virado para a Lua", tocados pela sorte desde o berço...) Simplesmente não há pachorra!!! Há dias como hoje que apetece mesmo ir para Marte, para um local onde esteja só comigo próprio, longe dos problemas intermináveis, longe do resto da humanidade, longe da tentação de que é possível ser feliz. Viveria feliz num mundo em que soubesse que não haveria hipóteses de encontrar um namorado porque simplesmente não existiriam mais humanos na face do planeta, poderia então focalizar-me a "ser", a "sentir", a "pensar" e a "fazer" em paz.

Mas como devem ter reparado o problema por detrás da minha depressão pode-se resumir em poucas palavras. Tenho dificuldades em ser «feliz sozinho» e é algo que tenho que aprender. Recuso namoros nesta fase da minha vida porque de facto não estaria preparado para ter um namorado, não estaria bem comigo próprio, sereno e tranquilo na existência, não poderia fazer uma pessoa feliz quando eu próprio não sou feliz comigo mesmo. Mas ao mesmo tempo parece-me quase impensável vir a ser feliz sem alguém a meu lado, sem uma pessoa que me recupere deste estado de alma, este spleen infernal que se apodera dos meus sentidos e me faz rastejar por pensamentos macabros em ciclos infinitos até ficar desnorteado. Penso muitas vezes na morte, na não existência, em como as coisas se "resolveriam" facilmente se simplesmente eu não existisse. Sei que não ficaria feliz se morresse mas também sei que pelo menos não sofreria mais. «A morte nunca é solução» Claro que não é solução, no sentido em que me vai dar aquilo que pretendo, mas o que as pessoas muitas vezes não percebem é que nos tira tudo aquilo que temos e não queremos, ou seja, um sofrimento diário e repetitivo, o vazio da ininteligência e total falta de senso da nossa própria existência, o sentimento profundamente perturbador da impotência de alterarmos o rumo dos acontecimentos, a prisão da inacção que nos amarra à divagação do pensamento, nos perde em recordações nostálgicas dos momentos deliciosos passados a dois e que agora estão perdidos a não ser no meu peito que ainda os recorda como ferro incandescente a ferir o meu coração, a morte tira-nos da melancolia quotidiana, do olhar triste que damos ao Mundo, dos sons secos de uma vida meia perdida... Mas seria -- eu sei -- uma covardia matar-me e desistir de lutar, renunciar ao amor que aparentemente todos têm menos eu (eu sei que não devo dizer coisas deste género, «ou tudo ou nada», generalizações marcadamente irrealistas, eu também já li livros..., mas uma coisa é inalienavelmente verdadeiro: o que sinto, e estaria a mentir se dissesse que não sinto assim, mesmo com a razão a tentar amarrar o sentimento à sabedoria teórica e racional, ele extravasa os limites do racional e inflama-me todo o corpo num ápice e com uma dor que é física, que eu na realidade sinto no meu peito. A psique pode influenciar o corpo e eu sinto mesmo uma dor profunda no peito quando tenho sentimentos de dor e perda muito grandes, como a perda definitiva de um ex-namorado.). Viver, sei que é esse o caminho que tenho que seguir, e como não deixaria de ser é também o mais sinuoso e difícil. Sei que terei companhia nessa via dos meus amigos e familiares, mas sinto medo... sinto medo de que a felicidade intensa e profundamente recompensadora de uma vida de casal seja ilusória e fugidia, esquivando-se aos meus esforços, retraindo-se às minhas investidas...

Li recentemente um livro muito bom e que me deu muito prazer, escrito por Christophe André que é um médico psiquiatra no Hospital Sainte-Anne em Paris cujo título é «Aprender a Viver» (Editorial Notícias, 1ª Edição, Junho 2004). Ajudou-me imenso a ver a vida de uma perspectiva diferente. A vida quotidiana é que não me tem ajudado nada... sempre que tenho um dia moderadamente mais animado há de sempre haver alguma coisa que me faça ficar profundamente afectado, profundamente triste, enfraquecido e que me recorda a inutilidade dos esforços, porque nada muda realmente... É complicado viver em depressão, mesmo quando estamos conscientes disso, mesmo quando tudo parece indicar que estamos a seguir o caminho certo, quando estamos a recorrer a apoio médico, psiquiátrico e psicológico, quando os amigos mais íntimos sabem o que passo e tentam com o melhor do seu esforço ajudar-me a recuperar desta idade das trevas, qual idade média emocional, mesmo quando a família se esforça por se mostrar mais presente e preocupada.

A todos os que me ajudaram ultimamente um enorme abraço de agradecimento pois não me esquecerei nunca. Espero recompensar-vos a todos fazendo esforços para ficar melhor cada dia que passa pois mereceis ver-me como eu sou ‘normalmente’.

Espero que após lerem este post, aquelas pessoas que por vezes sofrem injustamente com alguns dos meus comportamentos aparentemente contraditórios e egoístas, possam ter uma ideia mais fidedigna da minha real situação actual, e me possam - espero - perdoar.