segunda-feira, novembro 22, 2004

Fofinha...

Cheguei agora mesmo das minhas feriazitas de quatro dias em casa dos meus pais, afastado do rodopio de Lisboa, das preocupações e das úlceras constantes… Que bem me soube! No entanto parti com uma dor no coração.

O problema está na minha gatinha. Chama-se “Fofinha” e está connosco há 12 anos. Há 12 anos atrás, quando uma “greve”, minha e dos meus irmãos, exigiu um gato, saiu-nos uma gata, mas isso não importava nada, o que queríamos era mesmo um animal de estimação felpudo e que fosse uma novidade. Até hoje, a Fofinha mantém-se fiel às nossas expectativas, continuou felpuda e com algo novo todos os dias… Foi uma amiga que esteve sempre disposta a ouvir-nos nas nossas horas de maior aflição, continuou brincalhona, ternurenta no seu ronronar suave, sempre disposta a tirar uma soneca no nosso colo, continuamente, patrulhava o seu território nos nossos jardins para verificar que nenhum outro gato ou gata se atrevia a invadir o seu espaço. É uma siamesa com olhos azuis, linda, linda, linda! No entanto nem tudo são rosas, e os animais de estimação não vivem para sempre…

Há uns meses atrás a nossa gatinha foi operada a uns nódulos que lhe tinham aparecido junto da sua barriguita. Pouco depois da operação a coisa complicou-se e os nódulos deram lugar a um tumor que alastrava galopantemente. Uma nova operação foi efectuada. Uma nova anestesia. Com a idade dela já não aguentaria muitas mais anestesias, nem muitas mais intervenções cirúrgicas deste género… Os meus pais recorreram então a uma das melhores clínicas veterinárias do Porto. O diagnóstico não poderia ter sido pior… a Fofinha tinha um tumor maligno e em breve iria espalhar-se ainda mais, afectando-lhe os pulmões, e caso não se abatesse a nossa gatinha, ela iria acabar por morrer asfixiada. Segundo nos foi dito, os tumores malignos são a principal causa de morte nas gatas: 85% das gatas morrem desta forma.

Quando cheguei a casa, na quarta-feira, a gata estava já com dificuldades de respiração, estava “pele e osso”, magra como nunca a tinha visto antes. Estava apática, já não brincava, nem sequer andava pela casa à espreita de um colo vazio… estava agarrada à cama da minha irmã, junto de muitos cobertores, porque dada a sua magreza estava constantemente cheia de frio, sem massa adiposa que a protegesse das temperaturas baixas que se fazem sentir por esta altura entre o Porto e o Marão. Tínhamos que ser nós a dar-lhe de comer, muitas vezes com pausas, para que ela respirasse em profundidade, com muita paciência dávamo-lhe leite, ou alguma carne grelhada cortada muito fininha e misturada com creme de sopa, uma ‘papa’ que ela pelos vistos gostava, para nosso alívio, porque muitas vezes recusava-se a comer seja o que fosse. Deveria-lhe custar comer coisas muito sólidas como a tradicional comida para gatos. A sua respiração já era feita com a ajuda do diafragma como também acontece com as pessoas com dificuldades respiratórias, um espectáculo não muito bonito de se ver, ainda por cima com os seus olhinhos azuis agora tristes, vencidos pela doença. No entanto sempre que a afagávamos, lhe dávamos carícias e miminhos, ela ronronava, eternamente agradecida pela nossa companhia e pelo nosso afecto. Foi por causa deste amor incondicional que ela nos tem que ainda não foi abatida, mas nota-se que sofre, por isso não nos resta outra alternativa.

Abracei-a durante uns minutos antes de sair de casa, dei-lhe beijinhos, cocei-lhe as orelhinhas e o pescoço como ela gosta tanto, disse-lhe adeus. Sabia que iria ser a última vez que a veria. Estranhamente, estava calmo, talvez já nostálgico das nossas brincadeiras e da sua companhia. Durante esta semana o meu pai irá com ela à clinica veterinária do Porto. Ela será anestesiada, irá começar a dormir profundamente, mas não se parará de lhe ministrar anestesia… ela irá enfraquecendo a respiração, o batimento cardíaco tornar-se-á mais compassado, a pulsação ficará mais fraca, e eventualmente o seu coração – que bate há mais de 12 anos – parará definitivamente de bater. Será cremada lá. A ideia da minha irmã de a enterrar no nosso jardim não teve adesão entre os meus pais.

Agora viverás eternamente nos nossos corações e nas nossas mentes Fofinha. Obrigado.