quinta-feira, fevereiro 24, 2005

Amar alguém tão especial...

A TV ouvia-se ao longe, uma mescla de sons que pareciam vozes misturadas com música. O Manuel saía do duche, acompanhado de uma nuvem de vapor de água e um leve e saboroso aroma ao gel de banho AXE After Hours que passou a usar desde que começamos a namorar, faz hoje um mês. Tinha a toalha enrolada à volta da cinta, passava a mão pelo cabelo loiro ainda húmido e dirigiu-se ao quarto para vestir o robe. Torradas com manteiga ou queijo fresco, Cheerios ou leite achocolatado, uma peça de fruta e iogurte, sumo de laranja. Dois pratos, dois conjuntos de talheres, açúcar, guardanapos. Parecia tudo pronto para um pequeno almoço delicioso junto do rapaz que amo. O som do microondas abafava o som da televisão enquanto aquecia uma chávena de leite. O Manuel voltava do quarto já penteadinho. Tinha feito a nossa cama e aberto a janela para arejar o quarto. Um sorriso abria-se no seu rosto e uma enorme alegria invadia o meu coração. Comecei a fazer a habitual contagem decrescente mentalmente: cinco… quatro… três… dois… um… e com a sua habitual carinha de menino ternurento e mimado, ligeiramente inclinada sobre o ombro, com uma enorme intimidade, aproxima os seus lábios dos meus, e, com um sorriso delicioso, beija-me docemente. O meu coração bombeava sangue sobreaquecido por esta calorosa manifestação de carinho matinal. Os olhos azuis fitavam-me à espera de uma palavra… sussurrei-lhe ao ouvido o quanto gostava dele, o quanto o achava bonito, como a sua voz era calma e relaxante, como me cativava sempre que começava a falar dos assuntos que lhe interessavam e que lhe faziam brilhar os olhos de uma forma especial. Apertei-o contra o meu peito. Os seus cabelos suaves e profundamente perfumados pelas essências do gel de banho tocavam-me a face, o seu corpo delicado e muito branco tinha um aroma característico que aprendi a reconhecer, passei as mãos pelas suas costas, afaguei-lhe o cabelo, perdi-me novamente nos seus lábios ternos, bem definidos e ligeiramente abertos. Estávamos abraçados na cozinha, sentia o bater ritmado do seu coração. Senti-me, num ápice, emocionado com toda a felicidade que é possível sentir quando se ama e se é amado por alguém tão especial.


Todo o tempo que esperei pela pessoa certa desde que o meu ex-namorado terminou a nossa relação, todo esse tempo em que me questionei tantas vezes do porquê de ninguém se interessar por mim, todo esse tempo envolto em dúvida e sofrimento, receando a solidão, vendo outros encontrarem os seus parceiros, sorrirem, extravasarem de alegria, durante todo esse tempo estive perto de vacilar, de me entregar a qualquer um que aparecesse, estive perto de oferecer todo o meu amor e carinho acumulados à custa de tantas noites solitárias a um qualquer rapaz que aceitasse aturar-me e deitar-se comigo na mesma cama, mesmo assim aguentei, resisti, não me ofereci a um qualquer só pelos desejos carnais que todos inevitavelmente temos, nem pela necessidade também tão humana de companhia, cometi alguns erros, tentei relacionamentos impossíveis com pessoas que não me amavam e de quem eu também não tinha a certeza de poder dizer que sentia amor. Todos cometemos erros, todos somos humanos, estou de consciência tranquila na forma como me aguentei na medida do humanamente possível, estou feliz por nunca me passar pela cabeça usar outros rapazes para me sentir temporariamente eufórico com uma noite escaldante e extravagante – talvez aproveitando um período de fraqueza emocional que eles estivessem a atravessar – repugna-me esse uso abusivo dos sentimentos e carências efectivas das outras pessoas, talvez porque já sofri na pele esse abuso hediondo por parte de um “ex-namorado” que me utilizou para companhia durante duas semanas e, depois de satisfeito e bem menos carente, descartou-me como se fosse um simples objecto.


Com o Manuel tudo é diferente. A forma como nos conhecemos, a forma como durante alguns meses nos estudamos mutuamente aguentando a possibilidade de, a qualquer momento, algum de nós encontrar um parceiro, a forma como verificamos se esse tremor no peito que ambos sentíamos em segredo era mesmo alguma coisa de especial ou apenas uma atracção carnal fugaz de quem vê um rapaz belíssimo, solteiro, culto, pró-activo e interessante falar tão calmamente connosco. Partilhamos muitos medos e receios durante esse período em que esperamos (im)pacientemente para confirmarmos os nossos verdadeiros sentimentos em relação ao outro. O pânico que ambos tínhamos de que o outro não correspondesse aos nossos mais íntimos desejos e que não nos retribuísse todo o empenho emocional que tão veementemente preservamos e alimentamos durante tanto tempo. Acabamos por ultrapassar barreiras importantes com o decorrer do tempo e, naquela mágica conversa que tivemos há um mês atrás, acabamos por ficar abraçados como estávamos agora… acabei por sentir-me nesse dia emocionado, pela primeira vez, com toda a felicidade que é possível sentir quando se ama e se é amado por alguém tão especial…