sábado, novembro 18, 2006

Ficção - The Aftermath

Era. Depois de ter tirado partido de todas as minhas capacidades diplomáticas consegui obter a informação almejada: o rapaz que vi noutro dia no Alkimia era mesmo gay. Fiquei radiante. Mas foi “sol de pouca dura”. Com esta informação crucial vieram também as informações laterais que, como quase sempre, fazem com que o objecto de culto perca o brilho e comece a ficar baço perante as camadas de informações não muito lisonjeiras que começam a vir “ao de cima”. Sim, de facto o rapaz é aplicado; sim, o rapaz está cheio de objectivos de vida; sim, é uma pessoa educada, simpática e de companhia praserosa, mas todos os rostos têm um reverso. E este reverso da medalha mata num ápice as aspirações imediatas à magia da paixão recém-descoberta. Não, o rapaz não quer namorar. Pelos vistos é vítima de uma virose que atinge grande parte dos gays quanto têm entre os 16 e os 22 anos (às vezes até mais), que é o quererem “comer” o maior número de gajos possível no menor tempo possível. (!) Será isto uma competição pelo prémio do gay mais promíscuo? Sinceramente não percebo. Com este rapaz passa-se algo de semelhante. As minhas informações foram de que era um “quebra corações”! Perante tal diagnóstico, quem será a pessoa com a plena posse das suas faculdades e com um pingo de dignidade que irá tomar a iniciativa de o “conhecer melhor”? Sou um pouco mais velho que ele (vim a saber também a sua idade) e aquilo que desejo é alguém que saiba o que quer, que pretenda um relacionamento monogâmico de longa duração baseado na confiança mútua (fidelidade). Ora, estes moços mais novos muitas vezes esquecem-se que o “curriculum” vai tomando forma, quer se queira, quer não. No “meio gay” toda a gente conhece alguém que por acaso conhece o rapaz ou rapariga por quem estamos interessados. É possível, muitas vezes, saber o passado amoroso de alguém até aos mais incríveis pormenores. Perante isto, muitas vezes, fazem-se escolhas. Embora tenha ficado triste com o que ouvi pretendo saber mais, pretendo chegar a uma conclusão mais definitiva para a questão «vale ou não a pena ter um relacionamento com este rapaz?» ou «será um relacionamento que me vai tornar mais forte ou trazer-me-á somente mais problemas e desgostos?». Perante um cenário negativo posso, obviamente, mesmo assim, fazer amizade com o rapaz (se for possível... porque existem alguns exemplares da espécie humana que são associais a maior parte do tempo e a única forma de socializar com o resto do mundo é através de tentativas veladas de acasalamento ou cópula...). Perante um cenário ligeiramente menos negro (porque não me parece até agora que seja positivo) teria de iniciar o longo e penoso período de “pré-namoro”, um período em que nada está definido, apenas serve para estudar com pormenor o rapaz para prevenir dissabores mais tarde. A princípio não parece nada simpático mas revela-se absolutamente necessário se não queremos ser vítimas de um qualquer “heart-breaker” que não tem mais nada que fazer a não ser «usar» algumas pessoas para auto-satisfação e descartando-as de imediato. Já tive a minha dose de desgostos, de traições, de facadas pelas costas e até de abandono. Por vezes demoramos a aprender mas chega a uma altura em que encarreiramos e fazemos muito melhor as nossas escolhas.

E tudo isto também se aplica às amizades. Existem alguns “amigos” que muitas vezes nos magoam ou se afastam propositadamente de nós. Já tive essa experiência no passado. O que nunca tinha experimentado antes foi uma “debandada”: o afastamento de todos os meus “amigos”. Aconteceu mesmo assim. Seja. Já me tentei reaproximar sem grande sucesso. É como se existisse um grupo fechado interdito a antigos subscritores. Terei que fazer, como não pode deixar de ser para a minha sanidade mental, um novo grupo, só “meu”. Tenho algumas pessoas em mente que podem fazer parte desse grupo. Tenho é que as juntar mais vezes. E neste aspecto sou bastante sortudo pois tenho amigos e amigas, hetero e gay. Talvez possa mesmo considerar o grupo como mais saudável, com pessoas que se interessam mais umas pelas outras, em que o facto de uma pessoa estar mais triste ou mais eufórica não implica olhares de desdém cansado ou de estupefacção pudica; mas em que as pessoas se conhecem e se inter-ajudam mais. Existem algumas pessoas que confundem “amizade” com “conhecimentos superficiais de pessoas com o intuito de se mostrarem ou venderem por forma a serem adoradas ou idolatradas...”. Não, não é isso que eu pretendo de um amigo. Nem é para isso que quero servir: como um servo que está sempre a mostrar apreço pela presença de tão dignos “amigos”. Aquilo que pretendo é diametralmente o oposto. Um grupo de amigos em que não exista ninguém que sobressaia. Em que eu veja pessoas em vez de máscaras. Em que eu consiga ver e sentir o estado de espírito das outras pessoas que me rodeiam, não para as poder manipular ou para mostrar a minha própria superioridade emocional, mas para as ajudar e ser ajudado, para haver partilha de experiências e sentimentos. Ou não é para isso que serve uma amizade? Um grupo de amigos não pode ser um “show-of” do que nós somos capazes de fazer, de quantos namorados tivemos ou de quão “bons” os gajos eram... (Como se as outras pessoas não tivessem olhos.) Um grupo de amigos é um grupo em que nos rimos (sinto tanto a falta de uma boa gargalhada), onde nos divertimos, onde choramos, onde pedimos ajuda e conselhos, onde damos ajuda e conselhos, onde recebemos e damos carinho e atenção.

Sempre que penso no meu futuro penso que talvez tenha mesmo que viver sozinho. A esmagadora maioria dos rapazes da minha idade e mais novos são inconstantes, são pessoas em quem não posso confiar para um relacionamento, muitas vezes nem sequer para uma amizade. Os mais velhos vejo-os cheios de vícios (nem sempre os mais positivos), matreiros, rancorosos porque desperdiçaram a sua juventude em salas de engate, discotecas e bares e hoje ninguém os quer, ninguém lhes pega. Afinal quem é que se quer relacionar com alguém que já esteve na cama com metade de Lisboa? Pior ainda, que já foi para a cama com pessoas mesmo horríveis, execráveis, conhecidas precisamente por esse seu lado de “rameira”? Mais constrangedor ainda, que já se relacionaram sexualmente com “amigos” ou “ex-amigos” nossos? Percebem a dificuldade? Dizer olimpicamente «o passado não interessa» é no mínimo naïve. Quer se queira, quer não, o passado virá ter connosco ao presente, e pode não ser um “presente” agradável para comemorar o aniversário de um namoro!

Todas as acções têm consequências. As nossas acções, embora “orgasmicas” no presente, podem comprometer a possibilidade de sermos felizes mais tarde. Muitos jovens gays vão sentir as consequências dos excessos da juventude quando já não forem jovens. Pode ser demasiado tarde para mudar...