sábado, janeiro 22, 2005

A força do desprezo

Há uns dias atrás encontrei, por mero acaso, o Miguel no Átrium Saldanha a jantar. Tinha ido lá depois de uma tarde inteira de estudo e até estava animado. Ao longe distingui-lhe o semblante mesmo no meio de tantas pessoas, confesso que fiquei espantado comigo próprio. “Já não me tinha convencido a mim próprio em esquecer este rapazinho?!” pensava eu perante a explosão de adrenalina que tinha de imediato surgido na minha corrente sanguínea. Ao que parece não… aproximei-me e a medo toquei-lhe no ombro. Ele volta-se para trás e eu, na urgência do momento, pergunto estupidamente, “Ainda te lembras de mim?”. Arrependi-me de imediato, era óbvio que se lembrava de mim, a cara de espanto que fez, de pena por eu ter aparecido, era prova suficiente que se lembrava suficientemente de mim para já estar aborrecido de eu ter caído ali de para-quedas. Estava a falar com duas amigas enquanto jantavam. Fui buscar o meu jantar ao Sabores&Vitaminas mesmo ali em frente. Olhava para trás. Para ele. Falava alegremente com as amigas enquanto comia alguma coisa italiana – Nota Mental: «Ele é capaz de gostar de comida Italiana!». Voltava a olhar para trás. “Será que ele já olhou para mim?” sonhava eu acordado. Era mais do que óbvio que não. Finalmente a funcionária que me servia despachou-se, estava a ver que à custa da sua incompetência ia morrer à fome, ou pior ainda, não ia jantar ao lado do Miguel. Finalmente peguei no tabuleiro e aproximei-me do Miguel. Perguntei-lhe apontando com o olhar para o lugar vago ao lado dele “Posso?”. Acenou-me com a cabeça uma resposta afirmativa. Sentei-me ao mesmo tempo que ele me apresentava às amigas. Fiquei contente. Disse o meu nome! Quando ouvi o meu nome fiquei de repente feliz. Quantas vezes havia já sonhado em ouvi-lo chamar-me pelo meu nome… O resto do jantar foi animadíssimo: fiquei calado a comer, não muito diferente de comer sozinho. Ele, desprezando-me completamente falava com as amigas – que eram do emprego – de costas voltadas para mim, ligeiramente inclinado sobre a mesa. Ria-se. Gostava de vê-lo rir-se. Sempre achei que era umas das melhores características dele, o sorriso maravilhoso que tinha. Achei-o magro quando o observava atentamente enquanto ele falava com as amigas. Achei que sabia que estava a fazer-me sofrer ao desprezar-me daquela forma. Aos poucos, amigos meus da faculdade passavam por mim e cumprimentavam-me. Iam jantar também, mas iam para uma mesa mais afastada porque naquela em que estava não cabiam todos. Deixava-os ir a todos. Tinha a vaga esperança que ainda iria poder ter uma conversa com o Miguel, que iria ser merecedor da sua atenção, nem que fosse somente momentânea. Nada disso. Nem conversa de ocasião, sobre o tempo, as eleições que se avizinham, os exames que também tem… Nada. Apenas silêncio. Desprezo. Comia sozinho afinal. Era um estranho relegado para terceiro plano. A certa altura acabei de jantar. Deixei-me ficar por mais algum tempo seguindo a réstia de esperança de que ele notasse que havia terminado e que falasse um pouco. Sonhava acordado novamente. “Olha Miguel, tenho que ir estudar.” - disse-lhe. Ele disse que também eles tinham que ir embora. Levantei-me e segui na direcção em que tinham seguidos os meus colegas da faculdade ainda há instantes atrás. Estavam os quatro alegremente a jantar, riam, conviviam, falavam uns com os outros. Invejava-os. Tão alegres, sorridentes. Tinha mais uma vez comido sozinho. Chegaria a casa e ninguém me esperaria. No dia seguinte voltaria à faculdade e mais uma vez ninguém me esperaria. Senti-me só. Verdadeiramente só. O ser humano, um animal social por excelência, não deveria nunca estar sujeito a tanta solidão no meio de tanta gente indiferenciada. “Esquece. Segue em frente. Concentra-te nos exames e em acabar o curso.” Não acreditava contudo no que dizia a mim próprio. Não parava de questionar-me no porquê da minha felicidade estar a ser continuamente adiada. “Porque é que não posso ser feliz agora?” De que me serve saber que um dia – no futuro – irei ser feliz, se agora, nesta altura em que vivo, em que necessito de companhia, de um porto seguro, não tenho essa felicidade? Saí do Atrium Saldanha. Estava fresco lá fora. Voltei a embrulhar-me em pensamentos enquanto o meu piloto automático me guiava em direcção à minha sala de estudo. “Compressores Axiais… é o próximo capítulo”.