quinta-feira, janeiro 06, 2005

Moment of the day…

Estava descansadinho da vida na faculdade a falar com o A. quando chegam mais dois amigos nossos, o J. e o S.. Sentaram-se ao nosso lado no bar como seria esperado deles. A conversa estava animada e já estava a sentir-me melhor. Contava alegremente coisas interessantes ao A. e ele a mim, sobre as mais diversas coisas, como o curso, as cadeiras que cada um tem para fazer, os exames, as datas ranhosas que nos calharam, como nos estávamos a aguentar nesta época de exames… coisas normais de dois estudantes da mesma faculdade mas de cursos diferentes.

O S. estava à espera de uma torrada de uma forma bastante stressante porque estava cheio de fome, e já começava a resmungar raios e curiscos sobre a demora da torrada, quando o A. começou a brincar com ele acerca isso. Passado algum tempo a torrada foi “anunciada publicamente ao bar” (como sempre acontece no Alkimia, ninguém tem privacidade naquilo que come…) num tom bem audível. Comecei de imediato a dizer para o S. -- «Olha a torrada…vá lá, levanta-te…então não queres a torrada…depressa…corre…» -- ao mesmo tempo que ele estava a levantar-se, e também alinhando comigo na brincadeira, fui logo veementemente apoiado pelo A. ao apelo na corrida à caça da torrada. LOL

O S. volta do balcão e senta-se, tira um guardanapo, pega numa porção da torrada e prepara-se para a comer quando ao mesmo tempo é anunciada «TORRADA!» no balcão… Hipótese demasiado fácil para ser desperdiçada levianamente. -- «Olha a torrada…despacha-te… então? Vai buscar a torrada…ainda estás aqui?» -- repeti-lhe eu na brincadeira enquanto tanto ele como o A. se riam.

«Agora estivestes bem!» -- disse-me o A. no meio de gargalhadas cúmplices ao meu humor.

«Não comem nada?» -- perguntou o S. ao olhar para mim e para o A., frente a frente, com a mesa limpa à nossa frente.

«Já lanchei o primeiro lanche. Como almocei cedo tenho que tomar dois lanches para ter três horas entre refeições!» -- respondi casualmente mas divertido pela justificação politicamente correcta para a fome danada e a pilha de nervos com que estava, pois esses nervos sim, justificavam os lanches e as conversas descontraídas no bar. Tinha almoçado pela meia hora e eram quatro horas nesse momento. Havia estado até a comentar com o A., antes de o S. e o J. chegarem, que estava a pensar tomar o meu ansiolítico também ao pequeno almoço uma vez que estava com níveis de ansiedade elevados, tremia imenso e tinha dificuldades de concentração no estudo em mãos.

«Fazes-me rir.» -- diz o J., sério, com uma ponta de maldade muito visível como que com pena por eu ser como sou e ter dito o que disse.

Fiquei chocado e surpreso. Sorri. Entristecia-me e estava profundamente magoado com ele, uma vez que ele conhecia-me melhor do que ninguém e soube na primeira pessoa o que eu havia passado quando tive as piores fases da minha depressão e ideação suicida – sabia que durante essas fases muitas vezes não tomava o pequeno almoço, nem comia nada a meio da manhã, nem almoçava, apenas comia qualquer coisa a meio da tarde e jantava, ficava acordado até tarde sem comer nada de tão deprimido que estava por forma que até mexer-me para ir comer me parecia ridiculamente fútil. Mesmo sabendo o quanto eu melhorei, o quanto eu me esforcei e passei para hoje estar suficientemente melhor para ter uma alimentação mais equilibrada, conseguir levantar-me mais cedo, deitar-me mais cedo, planear os dias, as semanas e os meses para não ficar ansioso, mesmo após mais de dois anos de psicoterapia e de consultas psiquiátricas, antidepressivos, ansiolíticos, complexos miltivitamínicos e multimenerais… mesmo assim, e contra toda a minha expectativa, sai-se grotescamente com esta tirada que me deixou profundamente perturbado. Levantei-me, acabei a conversa com o A. e saí dali para fora com o pretexto de ir estudar – não posso estar sujeito a estes ambientes, foi o que a minha psicóloga me disse ontem na consulta semanal. Na altura referia-se às «intimidades reveladas» involuntária ou propositadamente por pessoas tais que os seus passados se cruzaram com o meu e que sabem bem o que me magoa e como realçar aspectos mais negativos do meu passado e do meu presente, sempre apostos para apontar defeitos, realçar fragilidades e falhas, ou então ter um discurso paternalista para com “o coitadinho”.

Não vou alimentar discussão alguma.” – pensei – por isso não dei sequer azos a uma discussão sobre este comentário/observação malicioso e depreciativo. Só pessoas que não acham a sua vida suficientemente interessante é que aproveitam a fragilidade de outros para os fazerem sofrer, ferindo-os onde sabem que vai mesmo doer e marcar.

Bom, será mesmo melhor continuar a estudar e não pensar muito nestes percalços diários. Como diz muito bem o B., “dá demasiado trabalho manter relações humanas”, ao que eu acrescento, “especialmente com pessoas que se divertem a fazer a vida dos outros menos alegre do que poderia ser”. Levar a vida mais a sério do que ela merece é masoquismo, mas se é uma forma de viver para algumas pessoas quem sou eu para questionar seja quem for, mas tentar impor isso aos outros é que cruza a fronteira do aceitável…

… a different lesson every day, and I will grow up taller and taller by this way …