sábado, novembro 25, 2006

MUDASTI!

Mudar a forma como vemos as outras pessoas pode ser um processo demorado. Sinto-o na pele todos os dias. Não são raras as vezes quando os outros (amigos, colegas, etc.) me tratam como se fosse simplesmente uma cópia imutável de mim mesmo mas cópia essa tirada há três/quatro anos atrás!

De facto passei tempos conturbados durante os últimos anos e o meu humor nem sempre foi o melhor, a minha simpatia nem sempre foi a mais enternecedora, a minha paciência também teve melhores dias, a minha atenção ficou perdida em divagações, a minha dedicação foi interrompida por um imobilismo atrofiante, entre muitas outras características minhas que mudaram para tons mais cinzentos ou mesmo negros. No entanto, pelo facto de ter sido assim, não há nenhuma lógica de “causalidade efeito” que faça implicar que assim fique para todo o sempre. Há fases da nossa vida que são de facto fases, são passageiras em essência. Tive uma depressão nervosa, clinicamente diagnosticada, tratada farmacologicamente e psicoterapeuticamente. Esforcei-me durante anos para lutar contra mim mesmo, contra os meus medos, contra os ciclos viciosos do pensamento entorpecido de quem não acreditava que valesse a pena viver. Durante muitos destes últimos anos vivi aquilo que era incapaz de viver antes, fiz coisas que me negava a fazer e cresci com os erros de uma forma que pensei não ser possível crescer. Aprendi muito e mudei muito. Muitas vezes as pessoas não notam as pequenas grandes mudanças que houveram em mim mas eu hoje sinto que sou uma pessoa muito melhor do que era.

Ora, constrange-me imenso ver as pessoas que me são mais próximas a verem-me e tratarem-me como se eu continuasse a ser o mesmo rapaz triste, isolado, inseguro, influenciável, carente, enfadonho, antiquado, incapaz, que fui. Quando eu faço algo que sai radicalmente do padrão estabelecido e esperado para mim nas suas mentes paradas no tempo, ficam em “estado de choque puritano”, fazem uma expressão de estupefacção transcendente e riem-se condescendentemente como se o “puto” (eu) não tivesse idade para fazer ou dizer “estas coisas”. Não sinto que tenham um sentimento de verdadeira alegria por me verem muito melhor, recuperado ‘de facto’ e a dar passos para recuperar parte dos anos que não “vivi”. Penso que ficam mais preocupados com a recente mudança de papéis, e o que isso possa implicar nas relações de força e influência no seio do “grupo” - como se os grupos fossem ainda territórios tribais. Quem nunca teve uma depressão não sabe o terror invisível que nos segue a todo o momento e nos torna em autênticos incapacitados, nem tão-pouco é capaz de respeitar a autenticidade dos sentimentos alarmantes e aterrorizantes que afligem a mente de um deprimido clínico. Nunca antes na minha vida tinha chorado tanto e nunca antes me senti tão incapaz. Mas tudo isto foi no passado, um passado que ultrapassei a muito custo. Agora, aquilo que mais anseio é mesmo viver o dia-a-dia de uma forma “normal” (se é que isso existe) e poder saborear as riquezas do viver sem medo. Pensei que iria ter o apoio incondicional dos meus amigos mas aconteceu algo que não tinha nos meus planos: os meus amigos não mudaram a visão monolítica que tinham de mim e, para complicar ainda mais as coisas, eles próprios também mudaram, raramente para melhor devo dizer. De um modo geral encaram-me como “incorrigível” e “imaturo”. Só assim se percebe que continuem a esperar de mim o que sempre esperaram e que fiquem atónitos com as “fugas” ao padrão estabelecido. E também só desta forma se compreende que me ignorem sempre que fale (ou tente...) e nunca tenham grande consideração pelo que digo (uma atitude snobe que repudio). Pois pasmem-se ao ficarem a saber que até as pessoas sem PhD, ou candidatas a tal título honorífico tão ilustre, e que também ainda não trabalham, podem falar, ter opiniões e serem respeitadas pelas mesmas. É um facto consumado que “formação” e “educação” são termos que não se implicam mutuamente. Como diz o velho provérbio: «Não faças aos outros aquilo que não gostavas que te fizessem a ti». As consequências do recalcamento de algumas pessoas, do afastamento dessas pessoas de um “grupo” específico, tem um preço elevado: os perpetradores juntam-se uns com os outros num grupo cada vez mais homogéneo e entediantemente unanimista. Em breve tudo o que era “diferença” desaparece e sobram somente pares que reflectem o que são uns nos outros como espelhos. O tédio de lidarmos connosco mesmos através de pares seleccionados naturalmente (Darwinamente?) para o efeito pode ser perturbador. Quanto a mim procuro pessoas pelas qualidades humanas e princípios que sustentam e não por medidas convencionais da “inteligência” (ou será de “conveniência”?) de alguém (como a classe social, a idade, o tipo de trabalho que faz, o curriculum que tem, os “conhecimentos” que fulano ou sicrano tem dentro deste ou daquele “meio”, etc.).

Tudo isto me faz lembrar aquela publicidade televisiva em que o slogan é «MUDASTI». De facto temos o “direito” a mudar a nossa personalidade. E também temos o direito de, perante a mudança dos outros, fazer escolhas conscientes sobre as atitudes que tomaremos em relação a essas outras pessoas. Por vezes, dada a falta de pontos comuns, o afastamento é inevitável. Outras pessoas no entanto aparecem no horizonte com as quais temos pontos de contacto. E outros velhos amigos revelam uma estupenda capacidade de adaptação à mudança efectuada em nós e ficam presentes, tal como âncoras ao passado. Tu és um deles Rui.