sexta-feira, junho 03, 2005

TRÊS

Era tão bom quando éramos só os três… Eu, o R. e o N.

Mais ninguém.

Fazíamos um grupo unido pela amizade, pela esperança, pelo comunhão de segredos, pelo conhecer cada vez mais profundo de cada um de nós, e até mesmo de nós próprios… Durou pouco tempo. Mas enquanto durou foram tempos muito bonitos.

Até mesmo no Aikidô era tudo diferente. Havia um ritual a satisfazer, uma aura mística de um segredo meu e do N., algo que era só nosso, o nosso espaço em que podíamos movimentar-nos graciosamente em movimentos espiralados e ritmados um em torno do outro. Sorria para ele contente. Por estar com ele, por estar a fazer algo em que me sentia bem, algo que era só meu e dele. Ele sorria contente para mim também.

Porquê a poluição? Porquê a perda dessa plenitude de partilha que outrora tivemos? Esse espaço, para onde íamos religiosamente os dois, deixou de existir. Ficou conotado com sofrimento, com sentimentos desagradáveis… perdeu o encanto da pureza inicial. Perdeu até a magia samurai que estava ali presente… um contacto indirecto com o Japão, com parte de algumas das suas tradições, vivências…

Desisti.

Foi o melhor que fiz.

Nada daquilo tem o mesmo significado que tivera um dia… está massificado por um elemento espúrio que roubou a única pérola de luz que me dava prazer na vida há muito, muito tempo… Passou então a desprazer e a paciência esgotou-se. Por muito esforço que se faça para manter uma postura de frieza é impossível mantê-la quando ela vai contra todos os nossos sentimentos. Cansei-me e fiz a escolha lógica: afastar-me e salvar os pequenos momentos maravilhosos que ainda guardo no meu peito, salvar o sorriso cúmplice do N. quando éramos os dois e o nosso segredo, mais ninguém…

Sinto falta de ser único, de ser insubstituível, de ser valorizado por ser quem sou e não comparado com quem não sou…

Porque é que tenho que ser sempre eu a procurar todos os meus amigos? Se ficasse quieto bem poderia esperar sentado que passar-se-iam meses sem que alguém notasse a minha “falta”. Pelo contrário tento estar o mais próximo de todos os meus amigos e manter um close contact com todos eles… Não será para isso que servem os amigos? Se calhar foi da educação que tive, ou da terra de onde vim… Falta muito calor humano em Lisboa, e penso que Lisboa faz mal às pessoas no que se refere a relacionamentos interpessoais, parece que gostam de ser distantes e frios… falta-lhes muito calor humano e há muito falso puritanismo… detesto “virgens ofendidas”!

Sinto-me isolado. Ao mesmo tempo conheço tanta gente. Mesmo assim conhecer não implica “ligações afectivas de amizade”. Significa ter com quem sair quando há um “dia especial”. Para mim todos os dias são dias especiais para estar com os meus amigos. Claro que compreendo que algumas vezes não possam estar presentes devido às próprias condicionantes da vida que todos temos, mas essa desculpa repetida muitas vezes torna-se duvidosa, e muitas vezes é já mais falta de vontade do que de facto uma real falta de tempo. Até simplesmente para telefonar para perguntar como estou e dizerem-me que esta semana está muito complicada, até para isso não há tempo?! Custa-me a acreditar que entre transportes públicos, ver televisão, deambular pela Internet, lanchar, almoçar ou jantar, ou mesmo na pausa para o café, não hajam 3 minutos para me dizerem «Olá P., como estás? Tudo bem? (…) Olha estou cheio de trabalho, mas temos que nos encontrar para tomarmos um café? Onde estás? (…) Então passo aí daqui a pouco antes de ir para casa só para dar um abraço, pode ser? (…) Ok. Abraço grande e até já…»! Será que é assim tão difícil? Talvez seja eu que estou errado e eles todos certos… talvez não.

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Como sou um filho de Lisboa, puseste-me a pensar. A frieza e a distância não me parecem generalizadas: dentro e fora de lisboa ha pessoas que o sao, outras que nao. Mas complicativos, acho que tens razão: ter nascido, crescido, e todos os dias viver na cidade torna-nos tendencialmente complicativos. Se vires bem, muitas pessoas que moram na cidade sonham em fugir dela, um dia. É como o Garcia Marquez escreve num conto: talvez sem nos apercebermos estejamos todos a viver fechados no sonho daquela mulher que sempre quis viver no campo e nunca conseguiu.

junho 03, 2005 7:04 da tarde  

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