sábado, novembro 25, 2006

Fernando Savater - Política

Li há pouco tempo o livro “Política para Um Jovem” de Fernando Savater, já meu conhecido de “Ética para Um Jovem”, editado em Portugal pela Editorial Presença. Tal como em “Ética”, este livro é interessantíssimo e, em muitas situações, deliciosamente divertido.

Contracapa:
«Política para Um Jovem nasceu de uma promessa feita pelo autor na sua obra anterior, Ética para Um Jovem, na qual se compromete a continuar a debater questões que se prendem com o mundo em que vivemos. Daqui resultou um livro de extraordinário interesse para jovens e todos aqueles que sentem o desejo de conhecer a essência da organização social, a sua rede de laços mais subtis, a sua linguagem, a sua memória compartilhada, os costumes, as leis e, enfim, as questões de fundo - o que realmente está em jogo, quanto ao Poder. No seu característico estilo, didáctico e ao mesmo tempo repleto de humor, o autor analisa a evolução da organização humana em sociedade desde os tempos mais remotos, detendo-se particularmente mas instituições criadas colectivamente, como a Democracia e o Direito, que ainda hoje são fundamentais. O Poder e os seus aparelhos, a exploração do homem pelo homem, a cooperação, a igualdade, a liberdade e a responsabilidade, o racismo e os nacionalismos são alguns dos temas que Savater aqui aborda.»
Tal como quanto ao seu livro anterior, tenho em mente umas quantas pessoas que bem precisavam de umas ensaboadelas de Política! Pode ser que o Pai Natal lhes traga alguma luz nesta quadra festiva.

MUDASTI!

Mudar a forma como vemos as outras pessoas pode ser um processo demorado. Sinto-o na pele todos os dias. Não são raras as vezes quando os outros (amigos, colegas, etc.) me tratam como se fosse simplesmente uma cópia imutável de mim mesmo mas cópia essa tirada há três/quatro anos atrás!

De facto passei tempos conturbados durante os últimos anos e o meu humor nem sempre foi o melhor, a minha simpatia nem sempre foi a mais enternecedora, a minha paciência também teve melhores dias, a minha atenção ficou perdida em divagações, a minha dedicação foi interrompida por um imobilismo atrofiante, entre muitas outras características minhas que mudaram para tons mais cinzentos ou mesmo negros. No entanto, pelo facto de ter sido assim, não há nenhuma lógica de “causalidade efeito” que faça implicar que assim fique para todo o sempre. Há fases da nossa vida que são de facto fases, são passageiras em essência. Tive uma depressão nervosa, clinicamente diagnosticada, tratada farmacologicamente e psicoterapeuticamente. Esforcei-me durante anos para lutar contra mim mesmo, contra os meus medos, contra os ciclos viciosos do pensamento entorpecido de quem não acreditava que valesse a pena viver. Durante muitos destes últimos anos vivi aquilo que era incapaz de viver antes, fiz coisas que me negava a fazer e cresci com os erros de uma forma que pensei não ser possível crescer. Aprendi muito e mudei muito. Muitas vezes as pessoas não notam as pequenas grandes mudanças que houveram em mim mas eu hoje sinto que sou uma pessoa muito melhor do que era.

Ora, constrange-me imenso ver as pessoas que me são mais próximas a verem-me e tratarem-me como se eu continuasse a ser o mesmo rapaz triste, isolado, inseguro, influenciável, carente, enfadonho, antiquado, incapaz, que fui. Quando eu faço algo que sai radicalmente do padrão estabelecido e esperado para mim nas suas mentes paradas no tempo, ficam em “estado de choque puritano”, fazem uma expressão de estupefacção transcendente e riem-se condescendentemente como se o “puto” (eu) não tivesse idade para fazer ou dizer “estas coisas”. Não sinto que tenham um sentimento de verdadeira alegria por me verem muito melhor, recuperado ‘de facto’ e a dar passos para recuperar parte dos anos que não “vivi”. Penso que ficam mais preocupados com a recente mudança de papéis, e o que isso possa implicar nas relações de força e influência no seio do “grupo” - como se os grupos fossem ainda territórios tribais. Quem nunca teve uma depressão não sabe o terror invisível que nos segue a todo o momento e nos torna em autênticos incapacitados, nem tão-pouco é capaz de respeitar a autenticidade dos sentimentos alarmantes e aterrorizantes que afligem a mente de um deprimido clínico. Nunca antes na minha vida tinha chorado tanto e nunca antes me senti tão incapaz. Mas tudo isto foi no passado, um passado que ultrapassei a muito custo. Agora, aquilo que mais anseio é mesmo viver o dia-a-dia de uma forma “normal” (se é que isso existe) e poder saborear as riquezas do viver sem medo. Pensei que iria ter o apoio incondicional dos meus amigos mas aconteceu algo que não tinha nos meus planos: os meus amigos não mudaram a visão monolítica que tinham de mim e, para complicar ainda mais as coisas, eles próprios também mudaram, raramente para melhor devo dizer. De um modo geral encaram-me como “incorrigível” e “imaturo”. Só assim se percebe que continuem a esperar de mim o que sempre esperaram e que fiquem atónitos com as “fugas” ao padrão estabelecido. E também só desta forma se compreende que me ignorem sempre que fale (ou tente...) e nunca tenham grande consideração pelo que digo (uma atitude snobe que repudio). Pois pasmem-se ao ficarem a saber que até as pessoas sem PhD, ou candidatas a tal título honorífico tão ilustre, e que também ainda não trabalham, podem falar, ter opiniões e serem respeitadas pelas mesmas. É um facto consumado que “formação” e “educação” são termos que não se implicam mutuamente. Como diz o velho provérbio: «Não faças aos outros aquilo que não gostavas que te fizessem a ti». As consequências do recalcamento de algumas pessoas, do afastamento dessas pessoas de um “grupo” específico, tem um preço elevado: os perpetradores juntam-se uns com os outros num grupo cada vez mais homogéneo e entediantemente unanimista. Em breve tudo o que era “diferença” desaparece e sobram somente pares que reflectem o que são uns nos outros como espelhos. O tédio de lidarmos connosco mesmos através de pares seleccionados naturalmente (Darwinamente?) para o efeito pode ser perturbador. Quanto a mim procuro pessoas pelas qualidades humanas e princípios que sustentam e não por medidas convencionais da “inteligência” (ou será de “conveniência”?) de alguém (como a classe social, a idade, o tipo de trabalho que faz, o curriculum que tem, os “conhecimentos” que fulano ou sicrano tem dentro deste ou daquele “meio”, etc.).

Tudo isto me faz lembrar aquela publicidade televisiva em que o slogan é «MUDASTI». De facto temos o “direito” a mudar a nossa personalidade. E também temos o direito de, perante a mudança dos outros, fazer escolhas conscientes sobre as atitudes que tomaremos em relação a essas outras pessoas. Por vezes, dada a falta de pontos comuns, o afastamento é inevitável. Outras pessoas no entanto aparecem no horizonte com as quais temos pontos de contacto. E outros velhos amigos revelam uma estupenda capacidade de adaptação à mudança efectuada em nós e ficam presentes, tal como âncoras ao passado. Tu és um deles Rui.

terça-feira, novembro 21, 2006

The United States of Europe

Acabei de ler hoje mesmo o best-seller do New-York Times, «The United States of Europe», subtítulo «The Superpower nobody talks about - from euro to eurovision», de T. R. Reid, editado pela Penguin Books. Um livro muito interessante sobre a nossa própria União vista através dos olhos de um americano.

Contracapa:
«How did Europe become a superpower while the world wasn’t paying attention?

Here, American journalist T. R. Reid takes an enlightening tour to the ‘United States of Europe’ – the borderless collection of countries that now gives America a run for its money.

With his trademark wit and wisdom he explains the often bewildering ins and outs of the European Union and the culture its nations have come to share – from the common pastime of America-bashing and the kitsch joys of the Eurovision Song Contest to the skyrocketing success of the euro. And he tells many individual stories of drama, including the astonishing takeover of brands from Dunkin’ Donuts to Lucky Strikes by the European companies, the English greengrocer who became a ‘Metric Martyr’, and the new breed of the twenty-somethings known as ‘Generation E’.

The United States of Europe is an insightful and entertaining guide to a new Europe that now makes the world’s rules, whether America likes it or not…»
Sobre o Autor:
«Tom Reid was head of The Washington Post’s London bureau, where he chronicled the rise of the European Union, pondered the Eurovision Song Contest and marveled at the provision of free health care. He has covered four presidential campaigns for the paper in the US, and headed their bureau in Tokyo. He is the author of three books in Japanese, and five in English.»

sábado, novembro 18, 2006

Ficção - The Aftermath

Era. Depois de ter tirado partido de todas as minhas capacidades diplomáticas consegui obter a informação almejada: o rapaz que vi noutro dia no Alkimia era mesmo gay. Fiquei radiante. Mas foi “sol de pouca dura”. Com esta informação crucial vieram também as informações laterais que, como quase sempre, fazem com que o objecto de culto perca o brilho e comece a ficar baço perante as camadas de informações não muito lisonjeiras que começam a vir “ao de cima”. Sim, de facto o rapaz é aplicado; sim, o rapaz está cheio de objectivos de vida; sim, é uma pessoa educada, simpática e de companhia praserosa, mas todos os rostos têm um reverso. E este reverso da medalha mata num ápice as aspirações imediatas à magia da paixão recém-descoberta. Não, o rapaz não quer namorar. Pelos vistos é vítima de uma virose que atinge grande parte dos gays quanto têm entre os 16 e os 22 anos (às vezes até mais), que é o quererem “comer” o maior número de gajos possível no menor tempo possível. (!) Será isto uma competição pelo prémio do gay mais promíscuo? Sinceramente não percebo. Com este rapaz passa-se algo de semelhante. As minhas informações foram de que era um “quebra corações”! Perante tal diagnóstico, quem será a pessoa com a plena posse das suas faculdades e com um pingo de dignidade que irá tomar a iniciativa de o “conhecer melhor”? Sou um pouco mais velho que ele (vim a saber também a sua idade) e aquilo que desejo é alguém que saiba o que quer, que pretenda um relacionamento monogâmico de longa duração baseado na confiança mútua (fidelidade). Ora, estes moços mais novos muitas vezes esquecem-se que o “curriculum” vai tomando forma, quer se queira, quer não. No “meio gay” toda a gente conhece alguém que por acaso conhece o rapaz ou rapariga por quem estamos interessados. É possível, muitas vezes, saber o passado amoroso de alguém até aos mais incríveis pormenores. Perante isto, muitas vezes, fazem-se escolhas. Embora tenha ficado triste com o que ouvi pretendo saber mais, pretendo chegar a uma conclusão mais definitiva para a questão «vale ou não a pena ter um relacionamento com este rapaz?» ou «será um relacionamento que me vai tornar mais forte ou trazer-me-á somente mais problemas e desgostos?». Perante um cenário negativo posso, obviamente, mesmo assim, fazer amizade com o rapaz (se for possível... porque existem alguns exemplares da espécie humana que são associais a maior parte do tempo e a única forma de socializar com o resto do mundo é através de tentativas veladas de acasalamento ou cópula...). Perante um cenário ligeiramente menos negro (porque não me parece até agora que seja positivo) teria de iniciar o longo e penoso período de “pré-namoro”, um período em que nada está definido, apenas serve para estudar com pormenor o rapaz para prevenir dissabores mais tarde. A princípio não parece nada simpático mas revela-se absolutamente necessário se não queremos ser vítimas de um qualquer “heart-breaker” que não tem mais nada que fazer a não ser «usar» algumas pessoas para auto-satisfação e descartando-as de imediato. Já tive a minha dose de desgostos, de traições, de facadas pelas costas e até de abandono. Por vezes demoramos a aprender mas chega a uma altura em que encarreiramos e fazemos muito melhor as nossas escolhas.

E tudo isto também se aplica às amizades. Existem alguns “amigos” que muitas vezes nos magoam ou se afastam propositadamente de nós. Já tive essa experiência no passado. O que nunca tinha experimentado antes foi uma “debandada”: o afastamento de todos os meus “amigos”. Aconteceu mesmo assim. Seja. Já me tentei reaproximar sem grande sucesso. É como se existisse um grupo fechado interdito a antigos subscritores. Terei que fazer, como não pode deixar de ser para a minha sanidade mental, um novo grupo, só “meu”. Tenho algumas pessoas em mente que podem fazer parte desse grupo. Tenho é que as juntar mais vezes. E neste aspecto sou bastante sortudo pois tenho amigos e amigas, hetero e gay. Talvez possa mesmo considerar o grupo como mais saudável, com pessoas que se interessam mais umas pelas outras, em que o facto de uma pessoa estar mais triste ou mais eufórica não implica olhares de desdém cansado ou de estupefacção pudica; mas em que as pessoas se conhecem e se inter-ajudam mais. Existem algumas pessoas que confundem “amizade” com “conhecimentos superficiais de pessoas com o intuito de se mostrarem ou venderem por forma a serem adoradas ou idolatradas...”. Não, não é isso que eu pretendo de um amigo. Nem é para isso que quero servir: como um servo que está sempre a mostrar apreço pela presença de tão dignos “amigos”. Aquilo que pretendo é diametralmente o oposto. Um grupo de amigos em que não exista ninguém que sobressaia. Em que eu veja pessoas em vez de máscaras. Em que eu consiga ver e sentir o estado de espírito das outras pessoas que me rodeiam, não para as poder manipular ou para mostrar a minha própria superioridade emocional, mas para as ajudar e ser ajudado, para haver partilha de experiências e sentimentos. Ou não é para isso que serve uma amizade? Um grupo de amigos não pode ser um “show-of” do que nós somos capazes de fazer, de quantos namorados tivemos ou de quão “bons” os gajos eram... (Como se as outras pessoas não tivessem olhos.) Um grupo de amigos é um grupo em que nos rimos (sinto tanto a falta de uma boa gargalhada), onde nos divertimos, onde choramos, onde pedimos ajuda e conselhos, onde damos ajuda e conselhos, onde recebemos e damos carinho e atenção.

Sempre que penso no meu futuro penso que talvez tenha mesmo que viver sozinho. A esmagadora maioria dos rapazes da minha idade e mais novos são inconstantes, são pessoas em quem não posso confiar para um relacionamento, muitas vezes nem sequer para uma amizade. Os mais velhos vejo-os cheios de vícios (nem sempre os mais positivos), matreiros, rancorosos porque desperdiçaram a sua juventude em salas de engate, discotecas e bares e hoje ninguém os quer, ninguém lhes pega. Afinal quem é que se quer relacionar com alguém que já esteve na cama com metade de Lisboa? Pior ainda, que já foi para a cama com pessoas mesmo horríveis, execráveis, conhecidas precisamente por esse seu lado de “rameira”? Mais constrangedor ainda, que já se relacionaram sexualmente com “amigos” ou “ex-amigos” nossos? Percebem a dificuldade? Dizer olimpicamente «o passado não interessa» é no mínimo naïve. Quer se queira, quer não, o passado virá ter connosco ao presente, e pode não ser um “presente” agradável para comemorar o aniversário de um namoro!

Todas as acções têm consequências. As nossas acções, embora “orgasmicas” no presente, podem comprometer a possibilidade de sermos felizes mais tarde. Muitos jovens gays vão sentir as consequências dos excessos da juventude quando já não forem jovens. Pode ser demasiado tarde para mudar...

quinta-feira, novembro 16, 2006

Ficção

O ruído maçador da multidão a falar toda ao mesmo tempo era substancial, especialmente àquela hora - uma hora da tarde - e naquele bar que tem já de si uma acústica péssima. Hora de almoço, do fim das aulas da manhã, do começo das aulas da tarde. Magotes de alunos excitados e barulhentos acumulavam-se no Alkimia, uns para almoçar, outros para tomar café, a maioria para conversar. Já tinha almoçado na cantina, igualmente barulhenta, mas compensadoramente mais barata. No entanto o pequeno luxo do café social tinha que ser tomado ali. Este hábito remontava aos meus primeiros anos como estudante e ganhou força quando me apaixonei, ou assim pensava naquele tempo, por um rapaz caloiro de engenharia biológica de uma beleza implacável e marcante, dono de uma maneira de ser vincada, mas muito suave na forma de trato. Esse miúdo, na altura, passava os intervalos ali, especialmente os intervalos de almoço, pelo que vinha de propósito ao Alkimia para o espiar secretamente, sem nunca ter coragem para lhe dizer seja o que for. Agora, passados anos, esse rapaz é apenas meu amigo, e não creio que um relacionamento alguma vez tivesse vingado entre nós. Já nem sequer está mais pela faculdade... Entrei normalmente no bar, absorto nos meus pensamentos, em modo automático como lhe chamo, daquele automatismo que nos desconcerta assim que acordamos e nos perguntamos preocupados: “como é que eu vim aqui parar?”. Coloquei-me na fila para a senha. Contei o dinheiro. Olhei para a televisão, demasiado alta para ser confortável, sintonizada numa programação tipicamente de “lixo”. Estava quase a chegar a minha vez. O funcionário do bar, na sua simpatia característica, pergunta-me delicada e educadamente o que desejo com um sorriso radioso na cara: “...a seguir...” (olhar indiferente mas apressado, algures entre o infinito, a televisão e a nossa orelha). “Um café.” (Upss, esqueci-me do “por favor”.) Dirigi-me para o balcão. Esperei no balcão até ter a sorte de alguém dar por mim. Peguei no café, num pacote de açúcar e num pequeno pauzinho de plástico, e virei-me para o conjunto das mesas caóticas. Que confusão. Pessoas em pé, pessoas sentadas, pessoas a estudar, pessoas em PC’s, pessoas a conversar, pessoas na fila, pessoas na esplanada, pessoas a entupir o caminho... Tentei identificar alguma feição conhecida ou então um lugar o mais isolado possível do resto do pessoal todo (detesto ter que ouvir conversas que não me interessam, detesto a promiscuidade de mesas contíguas). Vi o meu amigo Manuel! Ao seu lado estavam os inseparáveis Luís e Miguel, e à sua frente estava um rapaz lindíssimo que nunca tive o privilégio de conhecer como gostaria. O coração acelerou-se perante esta visão inesperada. Dirigi-me para as mesas deles. Por azar estavam completamente cheias. Não me podia sentar... Raios. Cumprimentei-os. À excepção do Manuel nenhum me prestou muita atenção, continuando as suas conversas privadas como se eu não estivesse ali. Senti-me triste e deslocado. “Porquê? Porque é que as pessoas são assim?” “Esquece não vale a pena tentar perceber.” Já não era a primeira vez que ninguém me ligava nenhum quando estava presente, mas mesmo assim, sempre que sucedia novamente sofria como se fosse a primeira vez. Perante a indiferença de todos, fiz um sorriso amarelo, despedi-me (aposto que nem sequer notaram), e fui-me sentar mais atrás, no fundo do bar. Pousei o café. Rasguei o pacote de açúcar e meti na chávena o pauzito de plástico para mexer. Não podia fazer mais nada quanto aos meus “amigos” a não ser observa-los de longe. Retirei alguns apontamentos da mochila e comecei a tentar estudar ao mesmo tempo que deixava arrefecer o café com movimentos circulares lentos da colher aldrabada e plastificada que me deram... O rapaz em frente ao Manuel prendia-me a atenção... Espiei-o um pouco. Como é natural não me viu porque estava de costas para mim. Não o conhecia verdadeiramente, nem sequer sabia se era gay. O facto de se dar bem com o Manuel, o Luís e o Miguel não queria dizer nada, mas mesmo assim havia sempre uma dúvida no ar - ou melhor, uma esperança! - que persistia! Voltei a olha-lo, à sua pele branca, à sua postura calma. Ignorava na altura que o observava, como sempre havia ignorado a minha presença nas raras vezes que nos havíamos visto. Tomei por garantido que não tinha “curtido” a minha forma de ser, ou então que era um hetero que não gostava de falar com amigos gays do Manuel - esse sim, assumidamente gay na faculdade. Por mais voltas que desse à minha cabeça só ficava esse pensamento repetitivo: por alguma razão que desconhecia o rapaz não ia com a minha cara. Pena, porque eu achei-o extremamente interessante como primeira impressão. Por outro lado não me recordava de nada que tivesse feito de errado com o rapaz, ou que o tivesse magoado de alguma forma. Mal nos conhecíamos na verdade, nem sequer sabia o nome dele, apenas nos tínhamos sido apresentados uma vez nesse mesmo bar - já há algum tempo atrás - e nos encontrado, esporadicamente e por mero acaso, duas ou três vezes, sempre com outras pessoas à nossa volta, e sempre por intermédio do Manuel pois são os dois do mesmo curso. Olhei para ele uma vez mais. Estava a ouvir a conversa animada do Luís e do Miguel. Olhei de volta para os apontamentos aborrecidos ao mesmo tempo que bebia o café - que continuava queimado apesar da máquina nova que tinham colocado neste semestre. O rapaz era muito bonito, nisso não havia dúvida. A maneira de ser que consegui perscrutar era serena, interrogativa, talvez um pouco tímida, camuflando os sentimentos e emoções. Olhos castanhos, doces, que inspiravam segurança imediata. Tinha tez branca, quase nada queimada pelo sol. A cara rapidamente se ruborizava, em tons avermelhados, que o tornavam extremamente querido, ternurento e atraente. Sem dúvida uma pessoa que gostaria de conhecer melhor. Há muito que pensava nisso, pena que nunca tivesse tido essa oportunidade. Olhei novamente para ele... Desapareceu! Só ficaram os três amigos. Ele desapareceu! Fiquei pensativo por momentos. O mais certo é que tudo isto não passasse de mais um sonho acordado que tantas vezes tinha. O mais certo é que ele nunca se tivesse apercebido que eu existia, e mesmo que ele se tivesse apercebido que era amigo do Manuel ele era provavelmente hetero reduzindo assim os meus sonhos a meros traços masoquistas da minha personalidade... Desejei que o meu sonho de encontrar alguém especial na faculdade se pudesse concretizar mas... I’ll keep dreaming!

quinta-feira, novembro 09, 2006

Rotina

Terça-feira

19h30 - As aulas acabam finalmente depois de mais um dia esgotante na faculdade. Os trabalhos entregues até hoje parecem pequenos comparados com o colosso que tenho que fazer... trabalhos, laboratórios, testes... parece que nunca mais conseguirei sair daqui. Olho em volta. Colegas de faculdade atarefados a arrumar as mochilas, a saírem da sala, para casa ou para a cantina. Os mais sortudos têm programa para esta noite: um cinema, um jantar com amigos de longa data, uma ida à baixa com a cara-metade. Ponho a mochila pesada às costas. Como não é dia de Aikidô não tenho o outro saco ou as armas. Dirijo-me para a saída do pavilhão

19h45 - Vagueio pelos meus pensamentos no caminho para a cantina. Faço contas ao calendário escolar. Penso em tudo o que me falta fazer. «Tantas coisas!» São oito trabalhos, um teste e uma apresentação. Depois, em Janeiro, uma época de exames de cortar a respiração. Desanimo. Olho em volta e tudo está calmo, faculdade já quase deserta, a noite chegou, a lua espreita por entre uma ou outra nuvem, diz-se que o tempo vai melhorar. O meu telemóvel está como sempre, mudo. Nem um telefonema...

19h50 - A cantina apinha-se com os resistentes. Fico algum tempo na fila, pego no tabuleiro, passo por um dos corredores e, depois de entregar a senha, sento-me. Sozinho. Agora que penso nisso não me lembro de ter jantado ou almoçado acompanhado há meses. Interrogo-me do porquê. Não quero ir muito longe nos pensamentos. Primeiro porque estou cansado e depois porque tenho medo do que vou descobrir. Como, bebo... e penso.

20h10 - Saio da cantina de volta à cidade, à rua, aos transportes públicos. Demoro uma hora a chegar a casa. Mais do que tempo para ler. Leio e observo. A virose continua muito activa. Há uma pandemia de casais. De casais estupidamente felizes. Estão em todo o lado. Infectam todos os locais com os seus abraços abusadores e beijos sonoros, risinhos imbecis e cochichos irritantes. Ahhhh... Só espero que não se sente um casal mais virulento perto de mim no Metro ou no comboio. Nem consigo ler como deve ser com o chinfrim de alegria que fazem, como se o dia tivesse alguma coisa de alegre. Olho para o telemóvel, dezenas de números, nem um número que me apeteça ligar. Se há qualquer coisa de bom e positivo com a rotina é que não preciso de ler o horóscopo. Sei exactamente o que vai acontecer amanhã.

sexta-feira, novembro 03, 2006

Trabalho...

Tenho andado inteiramente dedicado ao estudo, ou melhor, ao trabalho de MFC... Este sofá do meu curso, o mais confortável do curso inteiro, porque na realidade é daqueles sofá-camas gigantes que dá para dormir bem esticado, tem-me dado pano para mangas. Pior do que isso é que tenho mais umas poltronas e outras tantas cadeiras! Além do estudo não tenho feiro mais nada... para minha desgraça. Até ao Aikidô tenho faltado. Dia 7 tenho deadline para entregar os relatórios dos três primeiros problemas. Que stress! Hoje fiz grande parte do relatório mas mesmo assim ainda falta imenso... e como sempre descobri que ainda não fiz uma coisa importantíssima para o trabalho. Humpf! Este fim-de-semana vai ser a continuação deste martírio, e na semana seguinte tenho que me dedicar a TCM porque vou ter laboratório na quinta-feira. Amanhã vou ver se consigo dar um pulo a Belém para reencontrar o equilíbrio no tapete. Pode ser que venha de lá mais leve.

Apesar de tudo consegui provar a mim mesmo que consigo fazer uma série de coisas que pensava que não conseguia. Pensava que seria incapaz de programar, o que acabou por não ser verdade. Sou capaz. Mas cada vez mais os programas se complicam e mais fácil é cair nos erros semânticos mais difíceis de detectar. Deveria estar contente, como a minha psicóloga me disse, mas porque é que não sinto isso? Porque é que continuo a sentir que não sou merecedor de reconhecimento? Em parte porque toda a gente na minha posição deveria ser capaz de fazer isto. Por outro lado exijo sempre o máximo a mim mesmo, pelo que nunca estou satisfeito, e muito mais vezes me desiludo. Como fazer para superar este círculo vicioso? Pergunto-me muitas vezes se serei capaz de ser um bom engenheiro no futuro...